Crianças!

Por George Martin

"Então trouxeram algumas crianças a Jesus para que as abençoasse, mas os discípulos os repreendiam. Jesus, porém, vendo isto, indignou-se e disse-lhes: — Deixem que os pequeninos venham a mim; não os impeçam, porque dos tais é o Reino de Deus. Em verdade lhes digo: Quem não receber o Reino de Deus como uma criança de maneira nenhuma entrará nele" - Marcos 10.13-15. 

Os discípulos devem ter ficado meio aturdidos ao ouvir essas palavras de Jesus. Além de acolher bem as crianças, o Senhor ainda afirmava que elas teriam uma posição privilegiada no Reino de Deus. Aliás, Jesus fizera uma advertência séria aos seus seguidores: "...Em verdade lhes digo: se vocês não se converterem e não se tornarem como crianças, de maneira nenhuma entrarão no Reino dos Céus" (Mateus 18.3). 

Como nessa afirmação o Senhor apresenta os requisitos básicos para a salvação, será bom meditarmos um pouco no sentido dela. Na maioria das vezes, ao analisar esse texto, procuramos as qualidades que julgamos ver nas crianças, no intuito de incorporá-las ao nosso caráter. Vemos a criança como um ser inocente, alegre, confiante, amoroso, despreocupado, espontâneo em suas demonstrações de afeto e de sentimentos. Então fazemos tentativas de assumir essas características, geralmente sem sucesso. 

Quem é pai sabe que de fato as crianças possuem virtudes. Sabe, também, que existe o outro lado da moeda. Às vezes, elas podem ser inconscientemente egocêntricas, desatenciosas, dominadas por ciúmes tolos, incoerentes em sua conduta e indiscriminadas em suas afeições. Não sei se devido ao Pecado Original ou aos erros da educação, o que se vê é que a maioria delas não é nenhum modelo de virtude. Assim sendo, não cremos que Jesus ao apresentar como requisito para entrarmos no Reino de Deus a necessidade de nos tornarmos como crianças, esteja ensinando que devemos ter a conduta de uma criança.

Se examinarmos essas palavras do Senhor à luz de seus ensinos, entenderemos claramente o sentido delas. A meu ver, a característica infantil básica para a qual Ele quer que atentemos é a condição de filho. Sejam qual for os traços de sua personalidade e o estágio de desenvolvimento  em que se encontre, a vida de uma criancinha é definida basicamente em termos de seu relacionamento com os pais. Ela pode ser boa ou má, mas sempre é filha de alguém. Não há nada que possa alterar esta verdade básica.

A nota dominante da parábola do filho pródigo, por exemplo, é a relação de filiação. O pródigo não agiu como um bom filho. E quando se arrependeu, pensou em voltar para a casa do pai na qualidade de empregado. Entretanto, o pai não aceitou tal ideia; insistiu no fato de que ele era seu filho e recebeu-o de braços abertos. Os erros que o jovem praticara não alteraram a realidade de que era filho de seu pai; tampouco abateu o amor de seu pai por ele.

Quando Jesus nos ensinou a orar, orientou-nos a chamar Deus de "Pai Nosso". Com sua redenção, ele nos permitiu entrar num relacionamento de filhos com Deus. "E, porque vocês são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho ao nosso coração, e esse Espírito clama: 'Aba, Pai!' Assim, você já não é mais escravo, porém filho; e, sendo filho, também é herdeiro por Deus" (Gálatas 4.6,7).

O ponto fundamental na questão da salvação é a possibilidade de ser filhos de Deus, que nos é concedida por Jesus. Portanto, o mais importante é que reconheçamos e desfrutemos dEle amplamente. É óbvio que a maneira como nos comportamos também tem importância. Nenhum pai gosta que seus filhos tenham conduta imprópria. Entretanto, o fator básico é  simplesmente a realidade de nossa filiação com o Pai.

Interpretando assim essas palavras de Jesus, vemos que Ele não está absolutamente instando conosco para que adotemos características da personalidade da criança; e muito menos que sejamos infantis. O que Ele deseja é que reconheçamos  a filiação com o Pai, que nos é proporcionada por Ele. O reino de Deus é a família do Pai, constituída daqueles que recebem a adoção de filhos por intermédio do Espírito de Cristo.

E.A.G. vivabonsmomentos.blogspot.com/

Extrato de New Convenant via Mensagem da Cruz, número 108, janeiro a março de 1996 (Editora Betânia).