Reflexão sobre a conversa de Jesus com a mulher samaritana junto ao poço de Jacó

Por Eliseu Antonio Gomes

A narração sobre o encontro de Jesus com a mulher samaritana, de nome desconhecido, junto ao poço de Jacó é encontrada somente no Evangelho de João. Não foi por acaso que João relatou o encontro logo após a conversa noturna de Cristo com Nicodemos, membro do Sinédrio, fariseu que converteu-se ao Senhor (Jo 3.1; 7.50-51; 19.39-40). Cristo disse ao distinto religioso que "Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito" (Jo 3.16). Assim, o apóstolo mostra aos leitores que "este mundo" também incluía os samaritanos, um povo odiado pelos judeus, os quais os evitaram de todas as formas possíveis.

Geralmente o termo samaritano refere-se a uma pessoa pertencente a um grupo israelita que se localizava no território de Samaria, entre a Judeia e a Galileia. Sua origem está relacionada com o relato da conquista da Palestina pela Assíria em 2 Reis 17.24-41, onde a Bíblia menciona como os assírios colonizaram a região conquistada, ao enviar para lá povos da Mesopotâmia, os quais se associaram por meio de casamento com os israelitas deixados na região. Os estrangeiros uniram suas crenças pagãs ao culto de Jeová e seus descendentes solidificaram essa miscigenação, o que os levou a serem olhados com desconfiança e reserva pelos hebreus do reino de Judá. Os samaritanos edificaram um templo no monte Gerizim, durante o período entre os dois testamentos. 

E em tom de escárnio, líderes judeus chamaram a Jesus de samaritano (Jo 8.48).

A angústia da mulher samaritana.

Casada cinco vezes. Cinco camas diferentes. Cinco rejeições. O companheiro do momento lhe dava um lugar para dormir mas não era seu marido. Sabia o que era amar e não ser amada. Havia motivos suficientes para a mulher samaritana sentir grande esgotamento psicológico, manifestado em fadiga crônica, insônia ou modificação inexplicável na rotina do sono, taquicardia; problemas digestivos, oscilação do peso, falhas na memória; dificuldade de concentração, e outros distúrbios.

Esta mulher, cujo nome é desconhecido, estava fadada ao ostracismo social. Ela era de Sicar, uma pequena vila perto de Siquém. Em determinada vez, sai de casa no meio do dia carregando o pesado cântaro d'água até o poço de Jacó, que ficava aproximadamente quinhentos metros de sua residência. Ela não poderia se dar conta que sua rotina diária de apanhar água se transformaria no agente pelo qual sua vida seria totalmente transformada.

Era costume das mulheres irem em grupo ao poço. Entretanto, ela foi sozinha em hora pouco usual (na hora sexta, por volta das doze horas). Talvez estivesse só porque o sentimento de ser alguém insignificante fazia parte de sua vida e evitasse as línguas ferinas das pessoas que a conheciam. Provavelmente caminhasse com os olhos abaixados para evitar os olhares discriminatórios sobre si. Quando ela chega ao poço, encontra Jesus sentado junto ao mesmo. Com certeza, foi surpreendida ao ver um judeu em território samaritano.

Não era um trajeto agradável a Jesus passar por Samaria, pois os samaritanos viviam em desentendimento constante com os judeus. Mas é suficientemente significativo que tenha escolhido por viajar naquela região, em vez de escolher a rota alternativa "aconselhável", ao longo do rio Jordão. Para Jesus era necessário passar ali porque deveria encontrar-se com aquela mulher cuja vida moral era irregular. Então, enquanto os discípulos foram comprar comida, cansado, senta-se para revigorar suas forças físicas junto ao poço de Jacó.

Quando a samaritana aproxima-se, Jesus pede água a ela. Nenhum rabino conversava à sós com uma mulher, se não fosse sua esposa, tal conversa significava ultrapassar todos os limites da etiqueta social. A samaritana considera importante saber o que de fato Jesus tinha em mente: "Desde quando um judeu como você pede água a uma mulher samaritana como eu?" Sua intuição estava parcialmente correta, pois o Salvador tinha em mente mais do que saciar sua sede fisiológica, queria trazer paz ao seu coração ao mostrar-lhe o caminho da salvação. Diferente de outros homens, Jesus conversa com ela respeitosamente, conta-lhe sobre a existência de uma fonte de água viva que poria fim não a secura da garganta, mas saciaria para sempre a sede de sua alma e jorraria para a vida eterna.

Ao raciocinar, equivocadamente, que seu corpo físico jamais precisaria de reposição de água, a samaritana pede-lhe a água da vida eterna, sem a percepção que o dom da água viva nada tem com a substância material, mas com a condição espiritual. Então, Jesus solicita que chame seu marido, pois era natural que um homem conversasse com uma mulher na presença do marido dela. 

Nesta altura da conversa, quando Jesus toca no ponto mais delicado de sua vida, não passa pela cabeça da samaritana mudar de assunto, ir embora ou mentir sobre seu estado de adultério. Ela não mantém o seu pecado sexual em segredo, não cogita usar a máscara do fingimento. Fala a verdade: "não tenho marido." Então Jesus revela conhecer suas frustrantes relações amorosas. Diz-lhe: "Tem razão, você já teve cinco maridos e o que vive com você agora não é seu marido."

Aquela mulher adúltera não ouve nenhuma repreensão. Naquele momento Jesus não esperou que ela fosse perfeita, apenas sincera. Tomada de interesse, ela quer saber sobre o lugar certo de adoração; pergunta a Jesus em qual lugar deveria buscar a água para a sua alma sedenta e sofrida. Comenta: "Nossos pais adoravam neste monte, mas vocês dizem que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar" (Jo 4.20). Então Jesus explica que Deus procura os verdadeiros adoradores, que era chegado o momento de se adorar a Deus em espírito e em verdade.

Os judeus insistiam que a adoração era no Templo de Salomão, em Jerusalém. Por outro lado, os samaritanos afirmavam que o verdadeiro centro de louvor era no monte Gerizim. O poço de Jacó situa-se no sopé do Gerizim. 

Jesus não entra na polêmica, aproveita o questionamento para falar sobre a essência do Pai celeste: "Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade" (Jo 4.14). Assim dizendo, mostra a ela que Deus transcende o mundo material e ao mesmo tempo mantém um relacionamento permanente com os seres humanos porque faz parte de seu ser divino dar-se a revelar-se às suas criaturas (Jo 1.14,18).

Nesse momento, a samaritana responde a essas profundas verdades com uma afirmação teológica. Demonstra sua fé ao dizer que sabe que o Messias virá e ensinará todas as coisas, ao que Jesus se identifica como o Messias. Assim que recebe essa revelação, crê e imediatamente recebe os benefícios celestiais, entende que Deus se importa com ela. A vergonha dos romances corroídos se dissipa, surge um motivo para continuar a viver. Apressadamente, deixa para trás o jarro e volta à cidade, avisa aos seus concidadãos sobre sua descoberta e chama a todos para conhecer a Jesus. 

Assim a samaritana entrou para a história como a primeira mulher evangelista. Muitos samaritanos vão conhecê-lo e pedem que fique com eles. Jesus atende ao convite, permanece em Samaria dois dias e muitos creem nEle.

A procedência da mulher e a conversa que ambos têm mostra a habilidade sobrenatural de Cristo de perscrutar os corações. O encontro também evidencia a missão de Jesus, isto é, receber e salvar todo aquele que nEle crê (Jo 1.12).

Qual é motivo de tanta exaustão?

Para muitos, a história da mulher samaritana é comovente, mas distanciada de sua realidade. Você está empregado e tem renda satisfatória, possui uma família estável, sabe que eles precisam de você e estão prontos a ajudá-lo se precisar deles. Conhece a Cristo, está liberto do peso de consciência e do pecado.

Porém, há outros que, de algum modo, estão familiarizados com o sofrimento da mulher samaritana. Poucos assentam-se ao seu lado no refeitório e interagem amigavelmente. A vida difícil provoca timidez e insegurança. Você se sente abatido. Pergunta aonde está Deus que parece não vê-lo sofrer. Ainda não compreende que Jesus é a prova viva de que Deus se importa conosco. Você não está ciente que existe um Deus bom que deseja que tenha um encontro com Jesus e receba dEle a água viva que salta para a vida eterna. 

O que o deixa exaurido? A futilidade causa cansaço. Demasiados dias de fazer seja lá o que for necessário, sem que haja prazer nisso. E não são as correrias diárias que lhe exaurem as forças tanto quanto a pergunta que não se atreve a admitir que está remetendo a si mesmo: "Mas o que estou fazendo aqui?"

Talvez se você pudesse fazer as coisas ao seu modo, seu dia jamais seria cansativo. O estresse é enorme. Está ansioso, atento para não perder o equilíbrio emocional e jogar tudo para o alto. Vive exausto por ser atingido pelas desilusões dos sonhos desfeitos, por ser pisado e atropelado na extensa escalada rumo ao topo da vida sentimental ou profissional. Está exausto por precisar confiar em alguém que não inspira confiança. Exausto de olhar fixamente o futuro e enxergar apenas futilidades.

O que há dentro dos fardos que você carrega? Muitos tentam ser agradáveis a todos mas não agradam quase ninguém; amam e não são correspondidos, dormem e não descansam. Sentem-se sozinhos estando no centro de uma multidão.

É essa exaustão que faz o convite de Jesus tão irresistível: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei." (Mt 11.28). É um chamamento de comparência a estar em sua companhia. Por quê? Ele observa as faces mirradas de lavradores sob o sol escaldante e o empregador que lhe paga salário injusto; fita os olhos desiludidos da auxiliar de limpeza que está endividada e vê o olhar cínico do agiota rico que lhe oprime. E faz a promessa aparentemente incoerente a todos os envolvidos: "Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontreis descanso para a vossa alma" (Mt 11.29).

"Mas graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo" - 1Cor 15.57.

Todos precisamos ser gratos pelo indescritível amor que Deus tem por nós. Assim como a mulher samaritana, reconheçamos que Deus nos procura e nos quer como seres que o adoram em espírito e em verdade. Aos sinceros adoradores, o Filho de Deus promete trocar a extenuação da existência humana por cessação da carga opressora. Ao religioso desorientado, ao missionário abandonado, ao pai confuso, ao interno em ambiente hospitalar, para a mulher rejeitada, para a estudante que não compreende a matéria escolar e precisa de notas melhores, para a garotinha que chora pela mãe ausente.

Não dê espaço para a dúvida de que há um grande Deus que se interessa pelo seu bem-estar físico, psicológico e espiritual. Através das páginas da Bíblia, apreendemos que diversas pessoas agitadas pelas turbulências das muitas adversidades receberam paz interior em seu ser e a água viva que jorra para a vida eterna.

Existem bênçãos reservadas aos crentes sinceros. Porém Cristo não promete aos cristãos que eles serão blindados de todas aflições existentes nesse mundo (Jo 16.33; Hb 11.36-38). Deus é fiel, não permite aos seus servos que sejam afligidos por todas as aflições existentes neste mundo, jamais permitirá que o crente enfrente problemas acima do que possa suportar. Durante a tentação Deus providencia o escape (1Co 10.13). Muitos que se aproximam de Deus com fé, crendo que Ele é galardoador daqueles que o buscam, não ficarão sem a resposta que corresponda aos seus anseios (Hb 11.6; Mt 7.7). O relato bíblico nos informa que pela fé muitos alcançaram as promessas, da fraqueza tiraram força, mulheres receberam pela ressurreição os seus mortos (Hb 11.33-35).

"Que diremos, então, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, mas por todos nós o entregou, será que não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?" (Rm 8.31,32).

E.A.G.

Consultas:

Dicionário Teológico - um Suplemento Biográfico dos Grandes Teólogos e Pensadores [edição revista e ampliada]. Claudionor de Andrade. 9ª edição 2000. Rio de Janeiro / RJ (CPAD).

Quem é quem na Bíblia Sagrada - a história de todas as personagens da Bíblia. Paul Gardner, editor. São Paulo / SP. Impressão 2015 (Editora Vida).

Seis Horas de Uma Sexta-Feira. Max Lucado. Impressão 2007. São Paulo / SP (Editora Vida).